Após longas viagens sem rumo pela web, e muito papo furado jogado fora, resolvo me acolher em meu espaço particular (também chamado como quarto) para degustar mais um novo filme. Escolha da vez? Uma comédia romântica com o toque dramático para variar. Sem muitas pretensões aparentemente, a opção é feita sem menor pudor ou nível de exigência. Também dera, a 4h e tantas da matina sua cabeça já não se reconhece como tal.
O sono tardava à chegar, a noite ia caminhando para o seu fim, o silêncio gentil daqueles que ali estavam aconchegados em sua tranquilidade, me convidavam a fazer o mesmo. Mas, como fazer algo que você não senti que quer fazer?
O sono castiga aqueles que não o obedecem pontualmente. Sinto que ele anda fazendo cara feia para mim nesses últimos tempos, e ditei a velha máxima como resposta, aquela que aprendemos quando éramos crianças ”cara feia é fome”. Mas a fome é sua velha amiga, sua longeva companheira de cumplicidade e traquinagens. Então não adiantou de nada minha retrucação. O sono é esperto, ele sabe o momento exato do bote.
Sem muitas esperanças em relação a ele, decido iniciar meu novo filme. Um tantas poucas risadas iniciais, fazem-me prestar uma atenção parcial. O fato que me chamou atenção mesmo foi que quase todos que ali estavam, de certa forma eram envolvidos intrinsecamente com a escrita. De alguma maneira, criei uma certa empatia por aquele ambiente.
O pai, um escritor de sucesso reconhecido, estimula seus lindos ninhos a seguirem seus passos. Aliás, até pagava-os para fazer tal atividade. (Pai visionário? Queria ter um desses..) Será que o pai de Shakespeare fazia o mesmo? Aposto que você nunca imaginou ou parou para pensar que Shakespeare tinha um pai e também já foi criança um dia, num é? Não adianta disfarçar, já senti o mesmo que você senti agora.
Entre seus dois filhos, sendo eles um casal, a mais velha se destaca inicialmente pela publicação de seu novo livro. Fato curioso, que gerou até uma bela intriga e uma baita inveja em seu irmão mais novo. Porém, para decepção de seu brilhante pai, a filha resolve escrever um história completamente diferente da qual havia recebido a ajuda de seu pai. A justificativa da filha para o pai era que ela não sentia que aquilo fosse realmente seu, que não era sua escrita, sua essência. Garota de coragem e muita também com muita autenticidade! (gosto disso)
Entretanto, o que mais me chamou a atenção neste filme foi uma parte que pai diz o seguinte para o seu filho (o mais novo), após ler o seu diário e discutir com o filho. O pai diz:
“Um escritor é a soma de suas experiências, você não tem nenhuma, então vá atrás de algumas... ”
Dormi pensando nessa frase. O dia inteiro da páscoa passou e mesmo assim, ela ficou ecoando em minha memória. O que será que esse pai quis dizer com “é uma soma de experiências”?
Me atrevo a pensar sobre ela.
Será que grandes nomes da literatura mundial e nacional, viveram tudo aquilo que descreveram em suas obras? Será que cada experiência, observação, casos de amor, ilusões foram mesmo sentidas? Acho pouco razoável.
Na maioria dos casos é mais interessante criar um universo do que descrever o seu. Se você fosse contar a história de amor da sua vida, e tivesse a oportunidade de inventá-la primeiro, você faria?
Escritores são pessoas solitárias, introvertidas, almas desconsoladas e carentes por alento. A angústia os consome, a solidão os instiga. O silêncio faz ecoar seus sentimentos para tão alta e brutal ausência, que são tomados por uma compulsória vontade jogá-los para fora. O papel é um excelente companheiro, as palavras são o meio que os confortam.
Essa sensação de relaxamento poderia ser comparada a uma igual de pós-sexo, deixa-o estarrecido de tanta euforia e leveza. Mais o mundo muitas vezes não reconhece sua forma. Seu tom é uma quebra-cabeça sem estrutura. A construção parece desconexa, fora, descomunal, indigente para aqueles que são tidos com bom padrão. Quantos são os casos de brilhantes gênios odiarem a sua obra. Nem eles entendem o porquê daquilo, de onde veio aquilo. Kafka em uma carta para seu amigo, diz para ele queimar todas as suas obras após a sua morte. Clássico exemplo do que aqui de expor. Kafka achava absurdo demais suas criações literárias. Sua obra não tinha sentido para ele. Voltando a frase do filme, talvez aquela não fosse a soma verdadeira de suas experiências. Por sorte nossa, o seu amigo não foi tão burro assim a ponto de atender o seu pedido, e nos mostrou essa belíssima obra. Aliás, recentemente adquirir um volume único com várias obras desse mesmo autor. (Comentarei mais para frente)
Sinto que muito do que escrevemos, lá no fundo reflete um pouco de nós, e quem sabe, um pouco do queremos ser algum dia. Arrisco diz quer que a escrita de grandes autores geralmente é isso, eles queriam ser aquilo que descreviam em seus livros e textos. Desejavam aquele amor, queriam ter aquele carisma, sonhavam ter aquela desenvoltura, simpatia e simplicidade pelo qual todos nós ficamos apaixonamos e admiramos intimamente. Creio que no fundo eles são tudo o que escreveram e um pouco mais, contudo, não conseguem transparecer isso de outra forma a não ser pela escrita. Tem pessoas que consegue isso também. Seja pelas artes, fotografia, poesia, textos, encenações etc.. e são um encanto por aquilo que produzem.
A obra é sempre maior que o construtor, só quem entende realmente, sabe de sua grandeza. A sua memória é que ficará para sempre na lembrança como soma, como uma nova experiência, e como alegria de algo se que tornará inesquecível. A vivência da escrita não pode se limitar apenas as nossa somas de experiências, mais deve ir além, deve inventar outras novas experiências. Devem substituí-las, rachá-las, devem transgredir novas formas de olhar o mundo, e essencialmente, deveriam transformar a realidade num momento eterno na lembrança daqueles que o leem.
E sobre o filme, se ficou curioso para saber qual é, me pergunte depois ;)